sábado, 13 de abril de 2013

Cannibal Ferox - Umberto Lenzi

"O filme que você verá agora é um dos mais violentos já realizados. Há pelo menos duas dúzias de cenas de torturas bárbaras e sádica crueldade, mostradas de forma explícita. Se você fica chocado com a apresentação de material repulsivo, por favor, não veja este filme."
  
Nos anos 70,o cinema italiano estava produzindo à todo vapor. Dario Argento, Joe Damato, Lucio Fulci, Luigi Cozzi, Sergio Martino e mais vários cineastas trabalhavam e praticamente todo ano lançavam obras novas, de todos os gêneros cinematográficos. Da comédia ao romance, do drama à ação, do erótico ao documentário. Tudo foi feito pelos italianos na década de 70, porém o gênero que mais teve destaque foi o terror. 

No começo dos anos 70 (1972 mais precisamente), Umberto Lenzi lançou o ruim The Men From the Deep River, uma aventura baseada nos documentários Mondo da década de 60, que contava a história de um fotógrafo que se perde numa floresta da Tailândia, e é mantido refém por uma tribo nativa. O filme não causou muito alarde, apenas foi fisgado pela censura de alguns países mais ferrenhos. Em 1977, o talentoso Ruggero Deodato lança o bom Jungle Holocaust, que transformou o gênero "Terror Canibal", iniciado por  Lenzi, em uma onda cinematográfica. Até o começo dos anos 80, Sergio Martino faria The Mountatin of the Cannibal God Lenzi tentaria mais uma vez fazer sucesso com o picareta Mangiati Vivi - Eaten Alive. Quando Deodato lança a obra prima Cannibal Holocaust (1979), Lenzi decide extrapolar os limites  do aceitável, lançando o horrível Cannibal Ferox.

Lançado em 1981, Cannibal Ferox começa com uma voz feminina infantil avisando ao espectador o que estará por vir, e logo pula para Nova Iorque, mostrando um usuário de drogas voltando para casa após um longo tempo na reabilitação. Ao invés de ir para casa, o "consumidor" passa na casa de Mike Logan (Giovanni Lombardo Radice, sob o pseudônimo de John Morghen), um traficante de drogas. Mas ao invés de encontrar seu fornecedor, encontra dois mafiosos procurando po Logan, que sumiu com muito dinheiro. Ao dizer que não sabe onde Logan está, o usuário é assassinado.

Num enorme corte geográfico, vamos para a Amazônia, onde três estudantes esperam para ir até o outro lado de um rio. Eles são Gloria Davis (Lorraine de Selle), Rudy Davis (Bryan Redford, pseudônimo de Danilo Mattei) e Pat Johnson (Zora Kerova, ícone do cinema de horror italiano, que trabalhou com Joe Damato e Lucio Fulci). Gloria está preparando sua tese para a conclusão da faculdade, e para isso precisa se envolver com tribos indígenas. Após atravessarem o rio, encontram Logan e seu "amigo" (pff) Joe Costolani (Walter Lloyd, pseudônimo de Walter Lucchini). 

Após o encontro dos personagens principais, Cannibal Ferox se transforma em uma grande aula de como não se fazer um filme. Extremamente repetitivo e apelativo, o filme plagia na cara dura diversas produções extremamente superiores como todas as já citadas anteriormente. É claramente um filme ruim, mas que teria chances de criar algumas cenas antológicas se Lenzi fosse um diretor pelo menos regular.

Cannibal Ferox é um filme tão mal dirigido que até cenas com grande potencial são praticamente jogadas pelo ralo. Um grande exemplo disso, é quando Gloria Pat ser pendurada pelos seios e começa a rezar para que sua amiga morra rápido e não sinta tanta dor. É uma cena que nas mãos de um diretor melhor, teria uma grande carga dramática, mas que nas mãos de Lenzi se torna apenas mais uma.

Resumindo tudo isso, Cannibal Ferox é uma grande bobagem pessimamente criada por Umberto Lenzi. Para não dizerem que eu estou exagerando, o próprio Lenzi disse em uma recente entrevista que não considera Cannibal Ferox arte. Eu particularmente considero Cannibal Ferox arte, mas não de boa qualidade.

O Rei da Morte - Jörg Buttgereit

"Em seis dias, Deus criou o céu e a terra. No sétimo, se suicidou."

Jörg Buttgereit é um cineasta/roteirista/escritor de peças de teatro e crítico de cinema alemão. Nascido em Berlim, Buttgereit desenvolveu um gosto pelo transgressor logo em seus primeiros trabalhos, parodiando elementos da cultura alemã em pequenos curtas. Seu primeiro trabalho de destaque foi o horrível (mas hilário) Hot Love, que conta uma clichê história de vingança. Porém, em 1987, Buttgereit lança o clássico transgressor Nekromantik, que contando com cenas repulsivas de necrofilia e assassinato, abriu para o diretor as "portas do underground". Seu segundo (e melhor) longa, é O Rei da Morte (Der Todesking), de 1989.

O Rei da Morte representa o início da maturidade técnica de Buttgereit. Se Nekromantik apresentava praticamente cenas aleatórias costuradas com repulsão, O Rei da Morte, mesmo sendo um filme dividido em capítulos (sete suicídios em sete dias da semana), consegue fazer conexões entre uma trama e outra, sem se tornar maçante ou confuso. Pelo contrário, é um filme que apesar de lento, cria situações que prendem a atenção à todo momento, transformando em uma atividade prazerosa assistir algo tão mórbido, e que de acordo com alguns, é uma ode ao suicídio.

Algo interessante em O Rei da Morte é a proposital falta de empatia do público para com os personagens. Todos os personagens do filme são vazios, como se fossem apenas seres orgânicos esperando (acelerando na verdade) a morte. Isso seria um grave defeito do roteiro se o filme não pedisse algo parecido. O Rei da Morte certamente não seria o que é se tivesse personagens "Tarantinescos", que dialogassem durante minutos e tivessem uma missão ou motivação mirabolante. O filme cria uma atmosfera incrível justamente pela sensação de abandono que sentimos durante a exibição.

Enfim, O Rei da Morte é um filme que causou muito impacto em mim quando o assisti pela primeira vez, e acho que todos que assistirem sentirão a mesma coisa.

Ps:. O suicídio de domingo é algo perigoso.

quarta-feira, 10 de abril de 2013

Saló ou os 120 Dias de Sodoma - Pier Paolo Pasolini




Pier Paolo Pasolini foi um cineasta controverso, principalmente por tocar na ferida de vários assuntos até hoje polêmicos, como homossexualidade, política e principalmente a religião. Sempre muito crítico e ácido, Pasolini nos deixou grandes clássicos do Cinema Europeu como Decameron Teorema. Seu último filme, Saló ou os 120 Dias de Sodoma - inspirado em algumas obras do Marquês de Sade - é o mais polêmico de sua filmografia, e é dele que vou falar hoje.

Saló, dividido em três atos (Círculo das Manias, Círculo da Merda e Círculo do Sangue), se passa na Itália fascista de 1944, e conta a história de dezoito adolescentes sequestrados por quatro representantes da alta sociedade italiana: o Duque (Paolo Bonacelli), o Bispo (Giorgio Cataldi), o Juiz (Umberto Quintavalle) e o Presidente (o excelente Aldo Valletti). Durante o sequestro, os jovens sofrem várias torturas físicas, sexuais e psicológicas, somente para o divertimento dos quatro sádicos. Para esconder toda essa armação da sociedade, os quatro contaram com o apoio do exército fascista e da Igreja Católica.

O principal destaque de Saló é a maneira com que o Roteirista e Diretor Pasolini conduz as barbaridades expostas na tela: é extremamente chocante, mas não tem nada "aos ventos". O filme está repleto de abusos sexuais, torturas físicas e até uma cena de coprofagia coletiva, onde os quatro sádicos obrigam os adolescentes a devorarem fezes humanas em um enorme banquete. Mesmo com todo esse conteúdo repulsivo, Saló não é um filme gratuito. Pasolini, homossexual e subversivo assumido, criticava a sociedade italiana em cada obra. Em Decameron é criticada a maneira que a população trata o sexo; em Teorema é criticada a hipocrisia da família de classe média; em O Evangelho Segundo São Mateus, a crítica não veio por meio do conteúdo, e sim a representação nada divina de Cristo. Já nesse Saló, Pasolini critica a mania tipicamente humana da dominação. A dominação, tanto política quanto social, já foi explorada em dezenas de filmes, porém nunca tão contundente (e explícitamente) quanto aqui. Porém, no meio a "nojentices" e críticas, o filme se perde um pouco na parte técnica.

A ausência de uma trilha sonora e de uma fotografia mais trabalhada foram decisões totalmente acertadas, propiciando ainda mais um clima tenso para o filme. Assim como o recente Amor de Michael Haneke, o silêncio que compõe o filme é torturante, apenas sendo quebrado com lamentos e gemidos ainda mais. Quem não é iniciado em filmes lentos e perturbadores não aguentará Saló.

Enfim, Saló ou os 120 Dias de Sodoma é um controverso filme, que por um seu conteúdo explícito não é considerado um clássico absoluto.