sexta-feira, 14 de junho de 2013

Videodrome - David Cronenberg

"A televisão é a realidade, e a realidade é menos do que a televisão."

David Cronenberg é um bem sucedido diretor canadense, famoso por ser o criador do Body Horror (horror Splatter onde o medo se dá por meio de modificações corporais) e por seu cinema cheio de um humor grotesco com teor social. Seu filme mais popular é o nojento A Mosca, que por mais que seja gráfico, é socialmente "inofensivo", mesmo contendo elementos Kafkianos sobre a evolução (devolução?) do humano. Já Videodrome é uma PORRADA na cara do espectador, com gore e críticas sociais a todo momento.

Videodrome mostra Max Renn, um produtor de filmes pornográficos que procura algo diferente para a exibição em sua emissora. Detentor de uma polêmica em torno de seu canal, Max é criticado por alguns membros da sociedade por mostrar pornografia em rede aberta, mesmo com os índices de audiência sendo altos.

Um dia, Max toma conhecimento sobre um canal independente que transmite cenas de sexo violentíssimas e com alto grau de sadismo, que o deixam intrigado e interessado. Ao pesquisar sobre o canal, ele descobre que lá são transmitidos filmes snuff (filmes sem personagens, sem efeitos e sem roteiro, que mostram torturas e mortes reais afim de satisfazer o desejo de um público sádico, vide o vídeo que roda na internet: 3 guys 1 hammer).

Porém, Renn descobre o canal é um transmissor de percepções que causam tumores no cérebro de quem o assistir, e que esses tumores causam alucinações tão graves aponto de ser impossível distinguir a ficção da realidade. O homem por trás do canal é o Prof. Brian O'blivion, um idealista tecnológico que acredita que a televisão e a tecnologia elevam o ser humano a um patamar divino, e que, com a programação certa, a televisão pode mudar o mundo. Ele é dono de uma organização beneficente que oferece algumas horas de televisão todo dia para pessoas que não podem pagar por uma, porém, antes de realizar seu sonho, é assassinado por uma organização que atende de fachada por Spectacular Optical, que na realidade é uma mega-corporação que fornece materiais para a OTAN e está por trás de toda a elite mundial (ela seria a principal arquiteta da Nova Ordem Mundial, assunto que todo professor de Geografia e/ou Sociologia adora falar sobre). A partir do assassinato, a Spectacular Optical passa a comandar o Videodrome, expondo os sinais cancerígenos ao seleto público que conseguir sintonizar o canal. 

O filme descreve de maneira muito gráfica o impacto da mídia na população, e se nos anos 80 a mensagem do filme era contundente, trinta anos depois ela se fortalece ainda mais.
As várias subdivisões da mídia (TV inclusive) reproduzem suas informações de maneira com que seu público entenda a notícia de maneira distorcida.  É como se a televisão fosse a nossa segunda retina: a primeira é a dos nossos olhos, que nos deixa enxergar a realidade. A segunda é a tela da televisão, que nos impede de seguirmos a primeira. Se seguirmos a primeira, estaremos seguindo a nossa razão. Se seguirmos a segunda, estaremos seguindo o Videodrome, ou seja, a síndrome do vídeo que está dominando (se já não dominou) nossa mentalidade atual.

Em determinada cena do filme, o chefe da Spectacular Optical, Barry Convex, diz a Max que o sexo e a violência abrem a mente do ser humano e nos deixam mais receptivos ao sinal do Videodrome.

Agora pense: você não acha que o excesso de sexo e violência nos noticiários da TV não são tentativas de "abrir nossa mente" para as mensagens duvidosas transmitidas? Ou que, largando conteúdos duvidosos em rede nacional, o que na verdade querem nos dizer são apenas conteúdos publicitários? Aos poucos, vamos virando apenas "quadros brancos" como Max Renn virou.

Em meio a todo esse conteúdo social, encontramos um filme com muito gore e movimento. Pessoas estripadas, mutilações, suicídios e até uma vagina aberta em uma barriga marcam presença com o máximo de detalhes possíveis. Uma grande virtude da direção de David Cronenberg é que se for necessário mostrar um mão sendo decepada, a mão é mostrada com todos os detalhes possíveis. Não apenas pela exposição de Efeitos Visuais, mas sim pelo efeito causado no público: o choque, que nas obras oitentistas de Cronenberg era seminal para o total entendimento da obra.

Videodrome é a obra-prima de David Cronenberg, inteligentíssimo, contundente e visionário; merece ser visto por todos.

terça-feira, 11 de junho de 2013

Ichi, o Assassino - Takashi Miike

"Coloque mais sentimento no espancamento! Se você quer fazer alguém sentir dor, você tem que fazer isso com paixão!"

É complicado escolher apenas uma citação para iniciar uma texto sobre Ichi, o Assassino, de Takashi Miike. Existem dezenas de frases geniais no filme, todas com o senso de humor doentio característico da obra do demente japonês. Aliás, não apenas as frases, mas todo o filme está rondado de humor. Vezes ácido e vezes idiota; vezes sádico e vezes masoquista. Ácido, idiota, sádico e masoquista, essas são as palavras corretas para descrever Ichi, o Assassino, seu protagonista Kakihara e de certa forma, toda a obra de Miike.

Ichi, o Assassino (Koroshiya 1, do original japonês) fala sobre um chefe da Yakuza apelidado de Boss Angel, que foge com uma grande quantia em dinheiro, fazendo com que Kakihara e sua gangue passe a persegui-lo. Os métodos chocantes de tortura de Kakihara chamam a atenção de gangues rivais. Tudo piora quando Kakihara contrata Ichi, um brutal psicopata depressivo.
O enredo básico apesar de ser batido e até meio clichê, é conduzido de maneira insana pelo roteiro de Sakichi Satô e Hideo Yamamoto. As doses cavalares de violência apresentadas na tela chegam a ser hiperbólicas (a exemplo da cena do estupro, seguido de espancamento, seguido de mutilação, seguida de empalamento), e as personagens tão exagerados quanto a violência. As características delas são dignas de seriados do Adult Swim: Kakihara é um torturador masoquista e gay; Ichi é um assassino depressivo e doente mental criado e controlado por hipnose; Jirô e Saburô são dois mercenários gêmeos que se comunicam por telepatia; Jijii controla Ichi e é viciado em comida; Karen também é controlada por Jijii e faz um treinamento com Kakihara (em uma das brilhantes cenas protagonizadas pelos dois que ouvimos a frase que abre esse texto). Sem contar a prostituta que agride verbalmente Ichi por salvá-la de um estupro (sendo assassinada logo depois, em um ato desesperado do pobre assassino). Todos os clichês de uma trama supostamente batida são quebrados aqui, e quando não são quebrados, são mostrados de maneira tão extrema que passam a ser originais.

Mesmo com a originalidade do roteiro, o que realmente chama a atenção para o filme é a genialidade retardada de Takashi Miike, que apresenta aqui um de seus trabalhos mais bizarros. Cortes abruptos, câmeras rápidas sendo alternadas com câmeras lentas, closes e o gore mostrado sem nenhum escrúpulo podem ser comparados com Morrer ou Viver e Sukiyaki Western Django, ambos do mesmo diretor.
A batalha final entre Ichi e , Kakihara é muito bem construída por Miike, de maneira alinear e fantasiosa, com entradas na mente de Kakihara e várias mortes seguidas de ambos os personagens, além da decapitação de um pequeno garoto que se dispôs durante o filme inteiro a ser o único amigo de Ichi, provando que Miike é um diretor sem limites morais ou éticos.

Ichi, o Assassino é um filme recomendado para todos os fãs do bom cinema asiático. Não o dos fantasmas com cabelo grande e molhado, mas sim o cinema contundente e ácido de Chan-wook Park, Shion Sono, Fruit Chan, Nobuo Nakagawa e, sem dúvidas, Takashi Miike. Afinal, ser um ídolo do "rei do mimimi" Quentin Tarantino não é para qualquer um.